quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A moça

Escrevi esse texto ontem à noite, pensando numa pessoa.

Uma bonita moça com o rosto salpicado entra no ônibus lotado, e senta-se ao lado de um bêbado. O bêbado não devia ser mais velho do que ela, mas uma profunda cicatriz dava-lhe um aspecto desgastado, sofrido, velho. Ao sentar, ela se permitiu um profundo suspiro. Em resposta, o bêbado inspirou profundamente e disse, com uma voz grave e sonolenta, sem abrir os olhos:

- Eu sei que dói, mas logo você não estará mais tão triste.

A princípio, a moça pensou em ignorá-lo. Mas uma estranha sensação de familiaridade tomou-lhe conta, e ela respondeu.

- Por que você diz isso? Do que você sabe?

- Ah, pois eu sei de tudo, mesmo sem saber de nada.

- Você sabe a sensação de ter encontrado o verdadeiro amor e ter perdido? A desilusão e a mágoa de ter seu coração arrancado?

- Ah, mas é claro que conheço. Todos nós conhecemos, meu bem. Olhe ao seu redor. Você é só mais uma. Seu caso é único, e igual a todos os outros.

- Eu amei de verdade! Não diga que meu caso é só mais um. Não é verdade.

- Meu bem, não se iluda. O amor é um lugar onde, quem realmente alcança, não volta mais. Quem lá chega, quem realmente chega, não consegue voltar. Eles até tentam se comunicar, mas não conseguem. Não existem palavras em idioma nenhum que consigam explicar como é lá, e por mais que eles tentem explicar o caminho, ninguém consegue entender. Quando você "amava", você era uma pioneira, uma desbravadora, uma heroína. Mas agora que você se perdeu, você é só mais uma entre as fileiras dos desiludidos. Só mais uma de nós. Mas não se preocupe: você logo não estará mais tão triste.

- Eu era tão feliz... acho que jamais serei tão feliz novamente.

- Não, meu bem. Quem nunca foi feliz, nunca foi realmente triste. As pessoas mais tristes do mundo são aquelas que já foram felizes, pois elas sabem o que estão perdendo. Por outro lado, elas não deveriam estar tão tristes, pois as pessoas mais felizes são aquelas que já foram tristes. E uma hora você compreenderá que não será infelz para sempre, que sua alegria voltará sob outra forma, e isso já será o bastante para que não sejas tão triste.

- Mas e o amor? Acha que encontrarei o amor novamente?

Pela primeira vez, o bêbado abriu os olhos. Eram olhos cansados, mas límpidos. Ele olhou a moça com pesar e respondeu:

- Isso eu não sei dizer. Eu não sei nada sobre o amor.

Em seguida, fechou os olhos.
Será que a moça ouviu suas palavras de sabedoria? Será que compreendeu o que ele quis dizer? Ou será que desconsiderou suas palavras, tomando-as por ladainhas de mais um bêbado falastrão?

Bem, eu não sei. Não sou um narrador onisciente. Alé disso, estou muito embriagado, e só quero dormir o resto da viagem.

Talvez seja um pouco daquele romantismo que eu temia ter perdido completamente...