sexta-feira, 16 de julho de 2010

Saudade

Consigo pensar em poucas expressões tão equivocadas quanto "matar a saudade".

Saudade. Um substantivo do qual os lusófonos se orgulham de ter exclusividade. A poesia que essa palavra invoca desperta essa vaidade pela riqueza de nossa língua. No entanto, essa exclusividade pára no léxico. A saudade é muito mais que isso, é um sentimento pelo qual todos os seres vivos estão sujeitos a serem vitimados. Ingleses miss their beloved, franceses manquez pas l'amour qui, e cães nem conhecem esse termo, mas sentem saudade de seus donos.

Por que sentimos saudades? Chego à conclusão de que o amor é a mais poderosa droga que existe. Desde o primeiro sorriso, a primeira carícia, a primeira palavra de carinho, sentimos o gostinho do amor e, como os carentes seres humanos que somos, viciamos imediatamente. Precisamos do amor, precisamos daquilo que amamos e daqueles que nos amam. A saudade surge no primeiro momento em que somos desprovidos daquele determinado objeto de afeição. A saudade é a crise de abstinência daqueles que amam.

E por que dizer "matar a saudade" é equivocado? Porque a saudade é implacável! A saudade é imortal, e é um mal que nos aflige eternamente, como um ferimento de guerra na perna que dói nos dias frios. Você cria estima por alguém, e essa pessoa vai embora. Começa a surgir o monstro terrível da saudade. Quanto mais o tempo passa, mais forte ele cresce, alimentando-se dos pensamentos de carinho que você tem pelos amados. Quando você reencontra essa pessoa amada, o monstro enfraquece, recua e hiberna, mas jamais morre. E quando essa pessoa vai embora, ele, que não morreu, desperta, e passa açoitá-lo novamente. Às vezes você passa tanto tempo sendo açoitado pelo monstro da saudade de alguém que nem dói mais, e você esquece que está apanhando. Porém, à mera menção da existência dessa pessoa, a existência do monstro é lembrada, e o próximo açoite dele doerá dantescamente.

O melhor que podemos fazer contra o monstro é mantê-lo sempre enfraquecido. É manter contato, é visitar ocasionalmente. É expressar o carinho sentido, desejando desesperadamente que seja recíproco, para que esse monstro se enfraqueça e pare de nos torturar.

A saudade nunca morre. Eu sei bem disso. Sendo um homem abençoado com amigos em todos os lugares, sou simultaneamente amaldiçoado a sentir saudade constantemente. E hoje a saudade bate muito forte no meu peito. A saudade nunca morre. Só quem morre somos nós. Às vezes, de saudade.