segunda-feira, 25 de maio de 2009

Síndrome de Pinóquio

Texto de Mírian Ribeiro, extraído do Jornal da Orla de 16/05/09 e proposto em sala pelo professor de psicologia Wagner Tedesco.

Quem disser que nunca mentiu, com certeza está mentindo. Não se está falando necessariamente de grandes farsas, mas de pequenas mentiras ou, se quiser, omissões que permeiam a vivência social. Muitas vezes, a mentira funciona para preservar a privacidade, os vínculos afetivos, evitar contrangimentos, não ferir sentimentos, fugir de um castigo, escapar de uma situação embaraçosa. Nesses casos a sociedade tolera e até recebe bem a troca da franqueza por uma meia verdade.
O jovem mente para tranquilizar os pais, os pais mentem para que os filhos não sofram; mente-se para um amigo para não lhe ferir a auto-estima e para o chefe, para justificar o atraso. Mentimos até para nós mesmos, quando a verdade parece cruel demais. Agora imagine um mundo supersincero: alguém precisa alertar o outro de que ele engordou?
Calcula-se que, no decorrer de um dia normal qualquer (fora de períodos eleitorais), uma pessoa escuta, vê ou lê duas centenas de mentiras - uma inverdade a cada cinco minutos. Mas só uma pequena porcentagem seria de mentiras que machucam ou ocasionam prejuízo material ou moral aos outros.
Não se trata de defender a mentira, mas você já percebeu que ela, embora seja apontada nas parábolas morais como um desvio de caráter, não consta entre os sete pecados capitais da fé católica?

Comportamento comum

As mentiras aparecem na infância e acompanham o indivíduo por toda a vida, em maior ou menor grau. Segundo a psicoterapeuta Márcia Atik, as crianças mentem na fantasia - o que, diz, é muito saudável - por um distúrbio de comportamento ou quando se sentem amedrontadas. Já o adolescente mente para mostrar poder, maturidade e como mecanismo de autodefesa. No adulto a mentira pode ser uma patológica ou residual, revelando um indivíduo infantilizado até incompleto.
"Mesmo uma mentira branda pode impedir a pessoa de conviver com a sua verdade. Inventar algo para justificar um esquecimento, por exemplo, pode não ser grave, mas vai distanciando a pessoa de sua própria história. Por que não pedir desculpa, assumir que é distraída?". Márcia Atik diz que tanto a mentira como a omissão são maneiras de sair de cena; "o que elas têm em comum é a covardia".
Mas há situações em que mentir ou deixar de falar é atitude benéfica. "Não temos que sair abrindo o peito, nos desnudando. Não é uma questão de mentir, é uma questão de se proteger, que tem a função de preservar a própria intimidade. Tenho o direito de guardar minha história, de não falar sobre ela. A omissão é benéfica quando se está preservando o seu eu".
Já entre casais, a dinâmica tem mais a ver com relacionamento do que com mentira. "Os casais não têm que ser transparentes totalmente, é preciso preservar a porção secreta que é a nossa individualidade".

Autoengano e mitomania


Se há mentiras ditas inofensivas, até necessárias para manter a harmonia social, há também as grandes fraudes, estas sim perigosas à sociedade, que brotam das mentes de mentirosos patológicos. Segundo os especialistas, a ficção mitomaníaca envolve concepções de grandeza, de ascendência familiar excepcional, de capacidades e feitos extraordinários, fabulações que podem levar a cometer crimes e fraudes, como o exercício ilegal de certas profissões.
Há vários exemplos na vida real e na ficção. No filme "O Talentoso Ripley", por exemplo, Ripley é o arquétipo do mitômano, que se faz passar por quem não é para levar vantagem - seja financeira ou emocional. A mitomania, que pode ser uma doença ou um sintoma de certas condições, leva a pessoa a acreditar na história que conta, sem nenhum senso crítico. Veja o que difere o mentiroso patológico do mentiroso habitual:

Mentiroso patológico - Pessoa manipuladora e autocentrada, inventa histórias continuamente para conseguir o que quer, sem respeitar os interesses dos outros. Exagera os próprios feitos, construindo uma realidade fantasiosa. Quando confrontado com a verdade, tende a amenizar a mentira. Desfaz os vínculos afetivos de tempos em tempos e abandona quem vê como ameaça. Mentir de forma patológica pode ser um mecanismo de defesa ou autoafirmação desenvolvido na primeira infância e costuma ser associado a alguma desordem mental.
Mentiroso habitual - Ele se acostumou a mentir para chamar a atenção ou melhorar a autoestima e distorce a verdade sobre qualquer coisa, mesmo as insignificantes, mas não tem a intenção de manipular os outros. Quando esquece a história que inventou, responde de forma evasiva, questionando o outro sobre se entendeu o que teria dito. A mentira compulsiva geralmente tem origem num ambiente familiar que pune quem admite os erros e fracassos.

Mentiras e mentirosos famosos

"Nunca fiz sexo com ela" - Bill Clinton quase perdeu a presidência dos EUA por ter negado, em 1998, a relação com a estagiária Monica Lewinsky.
"Ganhei treze vezes na loteria!" - João Alves de Almeida, ex-deputado, um dos "Anões do Orçamento", cassado em 1993, ao justificar seu patrimônio milionário.
O herdeiro da Gol - Marcelo Nascimento da Rocha chegou a conviver e posar ao lado de famosos fingindo ser filho do dono da companhia aérea Gol. Em 2005, ele lançou o livro "Vips - Histórias reais de um mentiroso", em que narra esse e outros golpes que o levaram à prisão.
Kelly Tranchesi - Kelly Samara Camargo dos Santos usava uma identidade que sugeria parentesco com a dona da butique de luxo Daslu para aplicar seus golpes. Acusada de furto, falsidade ideológica e estelionato, Kelly afirmou que mentia para chamar a atenção da mãe, que a abandonara aos dois anos.
Clark Rockefeller - Passando-se por herdeiro da família americana de magnatas, Christian Karl Gerhartsreiter, um alemão que fora estudar nos EUA, arrumou emprego, casou-se e teve filhos. Ao ser preso em Baltimore, vivia sob outra identidade falsa: Charles Smith.
Autobiografia ficcional - A famosa apresentadora de TV americana Oprah Winfrey se viu numa tremenda saia-justa em 2003 ao transformar em best-seller as memórias de James Frey, que narrava sua suposta vida como viciado em álcool e drogas. Três anos depois, Frey admitiu que o livro era uma farsa e foi condenado a ressarcir os leitores que compraram mais de 5 milhões de cópias.
Prenda-me se for capaz - A história de Frank Abagnale Jr. inspirou o filme "Prenda-me se for capaz", com Leonardo DiCaprio. Sua trajetória de mentiras começou ainda na adolescência e Frank ganhou milhões de dólares fazendo passar-se por piloto de avião, médico e advogado. Preso, foi solto em 1974 sob a condição de ajudar o FBI a esclarecer outros golpes.
O Talentoso Ripley - Para levar um estilo de vida que poucos milionários podem, Tom Ripley faz de tudo, até mesmo assumir a identidade de outra pessoa (falsificando os documentos, inclusive) e matar! Este personagem extremamente sedutor, como todo bom mentiroso, foi interpretado por Matt Damon e John Malkovitch.
Ataque nazista - Recentemente, a brasileira Paula Oliveira quase abalou as relações internacionais ao inventar ter sido vítima de um ataque neonazista na Suíça.

domingo, 10 de maio de 2009

A costela

Domingo. Dia de churrasco em casa. Acordo às 13:00 com uma ressaca fenomenal, que continua a me fustigar até esse momento, meu estômago girando como uma máquina de lavar. Putz, é dia das mães, por isso o churrasco. Num determinado momento, meu pai me estende a motherlode. A suprema das costelas, uma costela épica, como eu nunca vi antes. Imensa, suculenta, assada no ponto, uns 300g de carne no osso, quase sem gordura.

Dava pra você escrever uma crônica sobre essa costela, ele disse. Eu ri, e comecei a comer. Delícia! Tenra, macia, a carne perfeita. Não há carne mais deliciosa em um churrasco que uma boa costela de boi, e essa fora a melhor que já comi. E enquanto tentava me deliciar, puta cachorro chato! Que saco, quatro cachorros matando minha paciência a latidos. Fuck this shit, vou pra dentro de casa.

Televisão de domingo é uma merda. Ligo na Globo, um filme, decerto ruim. Mas deixa, com essa costela na mão, eu assisto até filme ruim. E continuei comendo.

Ah não. Nem com essa costela dá pra encarar 101 Dálmatas! Cadê o case de DVDs? Ah sim, vejamos... IRADO, Bairro 13! Demorou, é isso aí. Cerveja, costela, Bairro 13, samba-canção... o máximo da virilidade no sofá da sala. Ou seria, se a cerveja não tivesse acabado. Buscar mais...

Puta cachorro chato! Valeu, irmãzinha. Não fosse você, ligeiríssima, tinha perdido uma costela. O resto é história. Demorei quase o filme todo pra destrinchar essa costela. E meu pai tinha razão: rendeu uma crônica.

domingo, 3 de maio de 2009

Homens e mulheres

Dizem que as mulheres são puro mistério; que são complexas, incompreensíveis, coisa de outro mundo. Mas eu não acho. As mulheres não são um mistério para mim. Eu não acho a mulher média mais complexa que o homem médio. Nada do que é humano me é estranho, e as mulheres não são exceção.

De onde vem isso, afinal? Como todo bom tolo, eu tenho uma teoria que julgo verdadeira: a diferença é que os homens são envoltos por uma casca de vulgaridade, enquanto que as mulheres deixam sua complexidade explícita, como um tapa na cara dos homens.

Vocês que me conhecem, olham para mim e sabem muito bem quais as minhas "prioridades", por assim dizer: encher a cara, fazer sexo, e gerar quantas risadas possíveis no processo. Aparentemente muito simples, mas isso é apenas a minha casca vulgar, especificamente. Cada homem tem a sua. Mas por dentro dessa casca, todo homem tem sua fragilidade e complexidade. Homens também se olham no espelho e se perguntam como melhorar sua aparência, também se preocupam com amigos que estejam com problemas, também sonham em encontar sua cara-metade.

Mulheres são o oposto. É de se esperar que toda mulher seja sensível, delicada e complexa. Mas elas não são um mistério para mim. Elas não me enganam. Eu sei que dentro de si, lá no fundo, as mulheres também escondem sua vulgaridade. Eu sei muito bem que dentro delas, como nos homens, esconde-se um orgulho (ou vergonha) do quanto elas conseguem beber antes de cair no chão. Eu sei que elas querem todos os homens olhando para elas enquanto dançam, e se aquele bonitão alí colar junto e disser a coisa certa, ela o leva pra casa e faz com ele a mesma coisa que ele pensava em fazer com ela. Homens e mulheres são compostos dos mesmos elementos; a diferença está no que aparece à superfície, e o que está escondido.

As mulheres são como estrelas. Algumas são estrelas comuns: amarelas, gigantes vermelhas, anãs brancas... algumas mais luminosas, mais atraentes, ou menos... mas todas são uma bela visão à noite. Algumas são como supernovas: explodindo luminosidade, chamando a atenção até sem querer, um espetáculo natural. Elas são intimidadoras, e com razão, pois se você não tiver o que é necessário, elas irão te fritar vivo. E ainda há aquelas que são como buracos-negros: elas são recatadas, sutis e, às vezes, não fazem nem idéia de quanto poder possuem. A princípio você nem percebe que estão lá... mas se você se permitir chegar perto o suficiente, nunca mais conseguirá desgrudar.

Os homens são como planetas. Somos únicos também, cada um de um diferente tamanho, trajetória, posição e conteúdo. Não somos menos importantes do que estrela alguma, tampouco. Se há vida em algum lugar, é aqui. Para o olho destreinado, só um bando de pedras sem grande distinção, mas tão complexos quanto qualquer estrela, mediante análise.

Somos todos corpos celestes flutuando eternamente pelo cosmo nos perguntando: "O que diabos estou fazendo aqui?". Como bom tolo que sou, também não sei, e tenho uma série de hipóteses a respeito. Mas, como o planeta que sou, eu já percebi que, qualquer que seja meu objetivo aqui, passo todo o meu tempo orbitando ao redor de uma estrela.