domingo, 25 de maio de 2008

Inferno Quente

Poucas coisas nesse mundo me inspiram verdadeiro terror. Eletricidade e formigas paraenses, por exemplo, me dão muito medo, mas não exatamente terror. Eu tenho medo de me aproximar e entrar em contato, mas não me dão um frio na espinha ao mero pensamento. A mesma coisa com os marginais violentos e fortemente armados do Pará. Mas se há uma coisa nesse mundo que scares the shit out of me, essa coisa é um evento tão familiar aos santistas chamado Inverno Quente.
O Inverno Quente é uma manifestação popular dantesca a tal ponto que aqueles que começam a chamá-lo pelo apelido que eu impús de Inferno Quente, fazem-no a partir de então com uma naturalidade que até passa desapercebida. São minhas experiências pessoais e próximas deste espetáculo de horror e agonia somente equiparável aos filmes antigos do Capitão América que eu agora me dedicarei a descrever.
Desde que eu era muito pequeno que o Inferno vêm a Santos anualmente, tal qual o Castelo do Drácula emerge na Transilvânia a cada cinco séculos. Às vezes eu me pergunto por que o Drácula é assim tão famoso como encarnação do Mal com figuras tão mais maquiavélicas que ele por aí:

Tom Cavalcante: Vamos começar agora mais um concurso de piadas!
Bernardo: Au au au au au au!
Joel Schumacker: Eu achei que as roupas deveriam ter mamilos...
Beto Mansur: Realizaremos anualmente, de junho a meados de agosto, o evento Inverno Quente no Emissário Submarino de Santos...
Samurai Urbano: Shiroi! Ruleante! Seki!!!!!
Drácula: Brrrr... Mato dez pessoas por milênio, e o malvado sou eu?

Pois é... chega a época de festas juninas, começa o Inferno Quente. A princípio você pensa: "Ora, o que há de mal nisso? Um evento popular para se levar a família e curtir uma noite fresca, comendo algodão-doce, andando nos brinquedos e ouvindo uma musiquinha..." Ah, meu amigo, como te enganas! O horror já começa pela própria localização: o Emissário Submarino.
É o último ponto de referência de Santos próximo à divisa com São Vicente. Poucos são os santistas que se aventuram por essas terras corrompidas; os vicentinos é que fazem a diária peregrinação ao evento.
Ocasionalmente, alguns homens corajosos e tomados por seu sentido de estupidez (como o Samurai Urbano, no meu caso) resolvem mijar contra o vento. É aqui que essas crônicas se iniciam.
Normalmente acontecia assim: Ao término de um belo dia ensolarado, com temperatura variando dos 16 aos 20 graus, recebo uma ligação.

Renato: Aê Loner, vamo lá no Inferno Quente?
Loner: Porra, mano... tem nada melhor pra fazer não?
Renato: Ah, vamos lá, vai o (aqui podiam entrar vários amigos... Renan, Ronaldinho, Tanauan, Gustavo...)... melhor que não ficar fazendo nada, sei lá...
Loner: Ah... tá vai, beleza, vamos...

Só o Renato que me fazia ir... se outra pessoa me chamasse, eu não ia, sei lá por que...
Anyway, a aventura já começava cedo. O Renato é quem morava mais perto, então nos reuníamos na casa dele. Sabe quando você faz o bug do Suikoden 2, que você tem que ir correndo pra Matilda torcendo pra não encontrar nenhuma batalha no caminho, ou pra conseguir fugir de todas que encontrar? É tipo isso. O caminho pro Inferno Quente, apesar do mesmo estar a só cerca de 100 metros da casa do Renato, era um verdadeiro antro de marginalidade. Era tanto bandido que alguns aproveitavam pra assaltar enquanto a polícia prendia outros. Chegando dentro do evento esse problema amenizava. Note o "amenizava". Isso porque todos eram revistados na entrada, então ninguém entrava armado. Facínoras desarmados não vão assaltar um grupo de marmanjos, mas muitas pobres donas-de-casa e piriguetes desavisadas eram alvo do assédio de vicentinos.

OK, we're in. Now what? Ah, vamos andar um pouco, curtir o negócio! Sim, sim... passando perto dos banheiros, já dava pra sentir o cheiro nauseante. Algumas vicentinas se dignavam a trocar fraldas dentro dos mesmos... por alguma razão, passar em frente aos banheiros despertou fome no Renato, então fomos à praça de alimentação. Ah, que maravilha! Cinqüenta barraquinhas vendendo as mesmas coisas: pastel, quentão e doces de festa junina. Em uma particularmente convidativa (a lata de lixo cheia de abelhas quase abriu meu apetite também) o Renato pediu uma fogazza de óleo com calabresa que, à primeira mordida, fez uma linda estampa semi-transparente em sua camisa. Agora que já saboreamos os manjares do Inferno Quente, que tal nos deliciarmos com outro dos grandes atrativos do evento: as garotas?

Nessa ocasião em particular estávamos com nosso amigo Yuri, que não tem muita frescura quando o negócio é mulher. Chegou junto num grupinho, prometendo-nos que ia descolar uma pra cada um de nós... e não é que elas voltaram com ele mesmo? Mas que gracinhas! Fiquei logo de olho na mais bonitinha, que tinha todos os dentes (pelo menos da frente). Fiquei meio desconfortável porque uma delas estava olhando pra mim também, mas me tranquilizei, pois estava olhando para o Renan ao mesmo tempo, e me convenci de que o olho que me encarava era o estrábico. Infelizmente, naquela ocasião eu havia esquecido meu pinto em casa, então não investi nas graciosas donzelas, e meus amigos resolveram acompanhar-me solidariamente. Afinal, bros before hoes! Decepcionadas, as meninas voltaram ao espaço em frente ao palco onde tocaria Exaltassamba, Felipe Dylon, ou algo do gênero. Alguns dias depois eu receberia uma mensagem de ICQ do Renato (cuja janela do quarto, no nono andar, abrangia panoramicamente o Inferno Quente inteiro):

PumperZero: Mano, cê naum sabe!!! Tava rolando o show do Belo lá no Inferno Quente, do nada eu escutei umas explosões... fui olhar pela janela e tava rolando uma briga, daí começaram a estourar rojão uns nos outros! Todo mundo correndo, mó catástrofe! zD

Prosseguindo pelo evento, chegou a hora derradeira: o All-Star Park! Aqueles que já jogaram Silent Hill talvez tenham uma vaga idéia do horror instaurado sobre esse lugar. Brinquedos velhos, gemendo nas estruturas, entretiam dezenas de crianças e desavisados. Brincadeiras como jogo da argola, tiro ao alvo e dardos enganavam os inocentes esperançosos, que acreditavam piamente que conseguiriam levar pra casa aquele caríssimo perfume ou uísque importado só pelo precinho do bilhete ("Amor, eu quase acertei a argola em volta do ursinho gigante, vou tentar de novo que dessa vez eu consigo!"). Os carrinhos de bate-bate emitiam aquelas fagulhas elétricas que hoje freaks me out, e sempre saia algum imbecil voando daquele brinquedo redondo que gira, pois se soltava crente de que conseguiria ficar me pé no meio (parece com esse aqui). Acho que os índices de membros decepados desse brinquedo superavam facilmente os dos operadores de máquinas de sisal.

Chegamos então ao Kamikaze. Como esse brinquedo é famoso por já ter parado no topo e soltado o sistema de segurança, deixando quarenta pessoas segurando a vida nos braços por alguns segundos, até o Samurai Urbano estava me dizendo para não entrar. Enquanto olhávamos os bravos idiotas entrando no brinquedo, reparamos em uma cena peculiar:

Mulher temerosa: "Por favor, eu morro de medo dessas coisas. Se eu começar a gritar, você pára pra eu descer, tá?"
Operador: "Xá comigo, tou de olho!"

E o Kamikaze entrou em ação. Sobe... desce... sobe... desce... e a mulher se esgoelando! Pensamos com nossos botões que o homem pararia o brinquedo somente decoridos os cinco minutos de ação contínua que ele oferecia, não sendo possível pará-lo antes; então, ficamos ali rindo do espetáculo. Porém, passaram-se os cinco minutos... seis... sete... oito... Olhando para o operador, o cara tava chorando de dar risada! Já vi o suficiente!, pensei. Fomos embora, rindo de nos acabar...

Andando mais pelo parque, chegamos à parada final: a montanha-russa. E começou o debate externo sobre se deveríamos ir. Dentro de mim, porém, o debate era mais acalorado.

Samurai Urbano: Brinquedo shiroi! Shiroi! Ruleante! Temos que ir, vai ser ruleante! *bate na perna*
Capitão América: Loner, use sua inteligência! Esse é um brinquedo do All-Star Park! For all we know, pode haver uma armadilha nesses trilhos!
Samurai: Ah, qual é? É só uma montanha-russa, que mal pode haver? O Loner é muito branco! Ele sabe se cuidar! Vai ser legal pra caralho, shiroizíssimo!
Capitão: Bom, tudo bem... não tem loopings, e não atinge grandes velocidades, não pode ser tão perigoso... mas lembre-se de se segurar bem, soldado!

Então fomos. Eu, esperto pra caralho, tratei de ir logo na frente do carrinho. Ao entrar, eu reparei numa coisa engraçada: a ausência de coisas. Não tinha cinto de segurança, não tinha cadeiras, não tinha nada. Só tinha uma barra de metal na frente e uma espécie de cilindro acolchoado no meio, de ponta à ponta do carrinho. Eu entrei na frente, sentado meio de cócoras sobre o "assento", e me segurei na barra de metal. Logo atrás de mim sentou-se uma garota até que bonitinha, e eu me senti feliz da disposição do brinquedo obrigar todos os passageiros a se acomodarem um encoxando o outro, como uma comprida e estranha motocicleta. Esse pensamento de felicidade se dissipou em dois segundos. Assim que o carrinho começou a subir, eu tive que sustentar meu peso na barra de metal à frente. A garota atrás de mim se agarrou à mim. Esse prazer durou 0,2 segundos, ao perceber que as cinco pessoas atrás dela fizeram o mesmo. Meus franzinos bracinhos de 15 anos sustentavam o peso de sete pessoas. Ao fim da subida, eu senti alívio ao não sustentar mais o peso. Alívio esse que se transformou em horror ao aparecer a primeira descida! Eu até hoje não sei de onde tirei forças pra sustentar no braço à mim mesmo e àquelas seis pessoas cujo peso foi ferozmente projetado para frente. A cada curva, eu sentia o horror do perigo de sermos lançados para fora. A cada subida e descida, eu sentia o Capitão dar um Shield Slash no Samurai pela infeliz sugestão. E a cada tremedeira acentuada do carrinho nos trilhos frouxos eu beirava às lágrimas, implorando pra não morrer. Ao chegar na estação, o carrinho deu uma parada brusca que quase me projetou para a frente, em cima dos trilhos, onde eu seria massacrado. Saí do carrinho pálido, tremendo ligeiramente, meus músculos fazendo-me mil promessas de dor para o dia seguinte, e o Samurai Urbano semi-inconsciente de tanto tomar Stars and Stripes do Capitão América.

Ficamos algum tempo sentados num banco em frente ao brinquedo, olhando os outros trouxas. Dava pena do desavisado que sentava na frente do carrinho. Num dado momento, um dos carrinhos que serpenteava pelos trilhos não teve energia cinética suficiente para cobrir uma pequna elevação; parou, voltou, gangorreou um pouco e parou nos trilhos no meio do percurso. Confusas, as pessoas não reagiam, atônitas, até alguém reparar que vinha outro carrinho, a poucos segundos de se chocar com o deles!

Ocupantes: O que a gente faz? O que a gente faz?
Operador: PULA!

E assim eles fizeram! O outro carrinho, imediatamente depois, se chocou com o carrinho parado. No impacto, o pobre ocupante da frente foi ejaculado como um anão australiano, acabando por aterrisar no carrinho que obstruía o caminho. Os outros apenas se enrolaram uns sobre os outros, por efeito do choque. Até hoje não sei como ninguém se machucou nesse episódio.

I've seen enough! Vamos embora! Saindo do evento, algumas confusões espalhadas nos deixaram apreensivos, e apressadamente nos dirigimos de volta à civilização. Depois de já estarmos de volta à casa do Renato, não pudemos deixar de notar algumas pessoas correndo em franco desespero sob o soar de revólveres, e de agradecer nossa maravilhosa noção de timing...

Esse é só o meu depoimento sobre o pesadelo do Inferno Quente. Todo santista tem sua história. Todo santista já viu o horror de perto...

O horror... o horror... O HORROR!!!!

7 comentários:

apenas desabafo disse...

adsiahsduisahd muito bom eu fui nessa montanha russa já.. é mesmo de dar medo o.o

Marko, o "Festa" disse...

Ah, cara! Pensa pelo lado bom!
Você sobreviveu pra contar essa história e pode rir de tudo isso! XD

Anônimo disse...

hgx7w9*XGW&AGX*&AWGX&AWXAW
genial

Anônimo disse...

prefiro não comentar seus posts (eles já dizem tudo por si sós), mas essa daí foi demais pra mim...
é daquelas que não vale a pena sair de casa...
genial

Señor Siljuelas disse...

CARA!!! XDDD PELAMORDEDEUS!!!! EU JURO QUE ACHO QUE JA VI O CABEÇA DE PIRAMIDE TRABALHANDO PRA MONTAR O INFERNO QUENTE!!! XDD


grazadêus baniram o evento =x

Z disse...

HIUDOAHE que osso manooow xD

Dani.chan disse...

Nossa, sem mais, descreveu direitinho o inferno quente xD
eu ja passei por perigo num desses brinquedos, mas era em um que ficava girando e tal, foi mais perigoso xD

Essa do Belo é mo velha, tem uns 5 anos, né? o-o